sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

DO OTIMISTA E DO PESSIMISTA

DO OTIMISTA E DO PESSIMISTA

De Adelson Santos*


O otimista tem razões de sobra para ver o mundo como um lugar maravilhoso, onde as coisas existem em suas dimensões espaciais e temporais para que ele possa se tornar um campeão e um vencedor na vida.
Já o pessimista, pelo contrário, que nunca consegue concretizar qualquer coisa, por viver sempre brigando para driblar os desencontros do destino, por se dar mal em todas as experiências e aventuras que a vida lhe proporciona, acaba achando que o mundo é uma merda ou uma montanha de lixo.
E sendo assim, como a totalidade do sistema social é feita de articulações entre os indivíduos, entre os indivíduos e o sistema social no qual estão inseridos, para o otimista, que sempre leva vantagem em todas as brechas onde se mete, o mundo é mesmo um lugar possível para viver e conquistar a dignidade; para o pessimista, que nunca leva vantagem em nada, apenas sobram os ressentimentos no peito, os sabores amargos na boca de alguma comida indigesta, além de uma remota e persistente esperança de que algum dia as coisas vão começar a acontecer pra ele.
Uma pena que a esperança do pessimista seja a chamada esperança podre, aquela feita de energia negativa que nunca incentiva a agir para conquistar qualquer coisa, deixando-o inerte e sem iniciativa até para levantar da cama e apagar a luz do quarto ou fechar a torneira que está pingando. Fica sempre esperando por uma chance que nunca chega, sempre fugindo da má sorte que nunca muda. O pessimista não constrói a sua fortuna porque quando vai ao seu encontro ela sempre se esquiva do seu caminho. O pessimista, enfim, não passa de um número que vive à margem da história, sempre vagando como um tronco oco nas correntezas de um rio. O pior de tudo é que ele não tem consciência da coisa e, mesmo se tivesse, de nada adiantaria porque a coisa (sistema social) é maquiavelicamente estruturado somente para o gozo das minorias onde o pessimista não consegue penetrar nem como figurante numa chanchada de terceira categoria. Portanto, para o pessimista, o que sobra em seu pensamento é a idéia de que Deus, algum dia, e bote dias nisso, vai começar a olhar por ele. É o que o mantém vivo, quer dizer, mais morto do que vivo.





*Adelson Santos é compositor e professor de música da UFAM.


Para ler outros textos entre no blog: www.adelsonsantos.blogspot.com

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

A CONSCIÊNCIA DA COISA

A CONSCIÊNCIA DA COISA

de Adelson Santos *


Durante anos achei que o mal-estar que carregava comigo eram elucubrações vindas do inconsciente, perturbações e danações da alma, emanações do diabo - como mamãe falava - enfim, coisa de gente maluca que não se adequava ao mundo exterior porque era rotulado de chato e urtigão encrenqueiro, com um parafuso a menos no cérebro.
Porém, o tempo passou e mostrou-me que o mal-estar não era coisa minha e nem estava dentro de mim à-toa. Vinha de fora. Era tudo invenção alheia, mitos urbanos, bias ideológicas e falsas interpretações da realidade; uma pacoteira de estigmas que fui aprendendo a desconstruir pelas interseções da vida. Suas raízes foram cravadas nos preconceitos, nas discriminações sociais e étnicas, nas tradições conservadoras e autoritárias da família, nos fuxicos dos vizinhos, na moral totalitária e repressora da religião, enfim, nas ideologias que dividem a sociedade em classes onde alguns poucos se especializam em mandar enquanto a grande maioria se limita a obedecer.
A consciência da coisa não chegou de sopapo. Pelo contrário, foi se aproximando passo a passo, bem lentamente. Isso depois de muitos encontros, desencontros e reencontros, de algumas dezenas de mil quilômetros rodados pelas estradas esburacadas da vida, de abismos atravessados na corda bamba, de muitas idas e vindas tentando encontrar uma trilha válida para desvendar o mistério do meu horroroso e angustiante mal-estar.
E foi assim, em ritmo de bolero dançado à meia luz com uma ratazana carente e sedenta de prazer, que a consciência da coisa foi se aproximando. E para isto foi preciso analisar de vários pontos-de-vista os fios que teciam a teia do meu destino, dissecar a trama histórica em que estava inserido, assumir meu DNA familiar de pai carpinteiro e mãe doméstica, colher informações com professores e pessoas de vários níveis sociais, nos livros, na arte, traduzir a linguagem dos sinais para entender a representação dos símbolos inerentes à cultura por onde circulava.
Quando a consciência da coisa bateu no coração, na cabeça e nas vísceras, então a ficha caiu e eu pude ver que o mal-estar que carregava comigo não é nada que apareceu por acaso ou mera coincidência do destino. Na verdade é tudo uma grande armação diabolicamente idealizada pela malandragem militante para convencer com argumentos falaciosos que os de cima sabem das coisas e os de baixo precisam ouvir e aprender com eles.
A partir daí entendi o quanto as pessoas são manipuladas por ideologias tramadas na esfera do poder político, social e cultural. Tudo para que, os de cima, usufruam dos lazeres de qualquer sistema econômico, seja capitalista ou socialista, enquanto, os de baixo, além de nada usufruir de qualquer sistema, acabam à margem da história como lixo humano, sempre na periferia, brigando pela sobrevivência e acreditando que algum dia a sorte vai chegar.
Desde moleque, sempre fui metido a contestador. Sempre gostei de questionar aquilo que estava posto como acabado e com ponto final. Nunca gostei de adaptar-me ao totalitarismo da opção única. Sempre procurei mais de um caminho e várias propostas de intervalos para estruturar minha melodia secundária. Sempre quis assumir o papel de protagonista principal da peça já que no papel de figurante me sentia inútil e sem sentido. E por querer assumir meu papel diante de tudo e de todos, por querer me tornar eu mesmo, ter opinião e autonomia, ser diferente e independente, acabava suscitando reações míticas e discriminatórias do pessoal que é programado para mandar e desmandar em todas as coisas.
Mas nunca me dei por vencido. Fui à luta. Desconstruí mitos e rompi tratados com falsos moralistas e cínicos demagogos. Fiquei só? Sim. Claro que fiquei só. Gente como eu não consegue ter amigos. Principalmente quando se trata de amigos que só são amigos quando estão na parada para levar vantagem. E eu não tenho vantagens para oferecer para quem quer que seja. O que eu tenho para oferecer é a postura de um iconoclasta e destruidor de mitos, de tolos e alienados. Hoje vejo que perdi muitas batalhas, mas no geral acredito que venci a guerra. Depois de tudo, quando olhei com um olhar inteligente para dentro de mim mesmo, pude ver que meus princípios éticos estavam lapidados, minha reputação moral intocável, e minha integridade profissional irrefutável. Tudo feito e conquistado com muito amor. Quando o amor não resolvia, o jeito era mesmo partir pra porrada. A fórmula sempre deu certo.
Olhando bem, dá pra perceber que tem muita coisa mal resolvida em nossa volta! Vai demorar, não sei quanto tempo, pra gente solucionar a montanha de problemas que a cada dia aumenta mais. Mas é preciso botar fé e acreditar que é necessário construir um novo mundo e uma nova sociedade. Uma sociedade em que todos possam estar envolvidos no poder e nas decisões que afetam a vida de cada cidadão e cidadã desta cidade, deste estado e deste país. Somente num novo mundo onde exista a distribuição de poder e de riqueza, num mundo sem assassinatos físicos e morais, sem discriminação e preconceitos, sem malandros e otários, somente assim é que seremos capazes de escolher o nosso próprio destino ao invés dos outros se arvorarem a fazer isso por nós. Enquanto isto não acontece, nada de doar a outra face para continuar apanhando na cara. É pedir demais para qualquer ser humano. Tem gente que não agüenta isso. Eu pelo menos não consigo. Prefiro botar pra fora minhas feras selvagens e partir pra cima. É assim que consegui ficar vivo até hoje numa boa, quer dizer, tranqüilo e feliz. Mas é bom permanecer alerta porque a malandragem, que não dorme nunca, continua agindo nas caladas da noite e nos bastidores do poder. Ou gentinha safada!!!





Adelson Santos é maestro, compositor e professor de música da UFAM.


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