sábado, 25 de julho de 2009

DISCURSO DE POSSE
FEITO NO CAUA PELO NOVO DIRETOR
ADELSON SANTOS
Manaus, 6 de julho de 2009
Depois de 64 anos viajando pelas estradas da vida, no meio de tantos buracos e curvas ultrapassadas perigosamente, tantos caminhos e atalhos percorridos, tantas encruzilhadas perigosas, tantos sonhos desfeitos, tantas fronteiras alcançadas e limites superados, tenho a impressão que hoje posso me dar ao luxo de andar de costas para o futuro e olhar de frente para o passado.
E entre tantas coisas que vejo quando olho de frente para o passado, percebo que o CAUA (Centro de Artes da Universidade do Amazonas) já foi um dos maiores centros de atividades pedagógicas e produção artística, sem qualquer exagero, do Amazonas e do Norte do País. Aqui, em época de matrícula, havia fila de alunos interessados em desenvolver algum tipo de habilitação artística e, geralmente, todas as vagas disponíveis eram preenchidas por pessoas sem distinção étnica, credo ou classe social. Até onde a memória me permite alcançar, aqui havia aula de todos os tipos de instrumentos musicais, de dança, de artes plásticas, de teatro, formação de corais infantis, juvenis e de adultos. Lembro que, durante 15 anos que aqui ministrei aulas de violão, passaram por mim, pelo menos perto de cinco mil alunos. E hoje, com todos os desgostos, tristezas e melancolias do mundo, vejo que tudo isso acabou. Quando se fala em aula de arte ou de produção artística posso afirmar que sobrou muito pouco, ou seja, alguma coisa na área de dança, de teoria musical e de artes plásticas. Na verdade, como os fatos comprovam, os espaços que antes eram preenchidos por milhares de alunos interessado em aprendizagem e aprimoramento artístico, estão hoje ocupados por ratos, baratas, pulgas e cupins. Que triste e melancólico desfecho. Isto é absolutamente deprimente.

E como chegamos a isso? Através de uma diminuta síntese histórica, não é difícil entender as causas do que hoje encontramos aqui. Senão vejamos: 1) gestões equivocadas por falsas interpretações do que vem a ser o sentido da arte na formação do gosto e desenvolvimento espiritual do ser humano; 2) gestores que não estavam preocupados com atividades artísticas e sim com outros projetos sem qualquer conexão com os fundamentos filosóficos de uma escola de arte; 3) gestores incompetentes que, ao invés de desenvolver a pedagogia da arte e implementar a produção artística, faziam do CAUA local de encontro para reuniões de todos os matizes, inclusive de partido político; 4) falta de um quadro de professores efetivos pois os que aqui haviam, migraram para a graduação no Departamento de Artes, outros migraram para fora do Estado, e outros ainda se aposentaram. E nos últimos capítulos desse drama artístico selvagem, a opção que sobrou foi contratar professores sem qualquer titulação profissional, para aqui ministrarem aula. E desta forma se deu o final da novela que, com certeza, não vale a pena ver de novo.

E assim, infelizmente, depois de trilhar tais caminhos tão sinuosos, chegamos aqui onde estamos agora, ou seja, no não-lugar. O que fazer daqui pra frente? Para responder a esta pergunta, temos duas propostas: ou ficamos no não-lugar da desolação com o risco concreto de perder o lugar reservado para os artistas e as artes dentro da UFAM, ou precisamos urgentemente de inventar maneiras para sair desse buraco negro. Eu acho que deixar ficar como está não faz o menor sentido; nem para a comunidade que tanto necessita disso aqui funcionando e nem para os futuros gestores da UFAM. Afinal de contas, uma universidade sem atividades artísticas é uma universidade manca. É preciso nunca perder de vista que o conhecimento não se transmite somente através da ciência. A emoção, o sentimento, a imaginação, a criatividade, a memória, a disciplina, são elementos da psicologia humana que a arte usa para imprimir conhecimento e desenvolver o homem em sua plenitude. Os gregos já sabiam disso.

Vivemos hoje numa época de crise. Só para citar algumas: crise de gripe suína, crise financeira internacional determinada pelos corruptos e malandros de Wall Street, crise no Congresso Nacional promovida pelos meliantes engravatados que compram passagens, ambulâncias e castelos com dinheiro que o povo paga de impostos com tanto sacrifício; é crise no judiciário que não julga os 40 ladrões de Ali Babá, que não pune os meliantes engravatados de Brasília e de outras casas legislativas pelo país afora, entretanto, manda soltar banqueiros, doleiros e mensaleiros. E tem outras crises mais abrangentes como o aquecimento global, a destruição da Floresta Amazônica pela fome insaciável do capitalismo internacional e nacional, a miséria e a violência de cada dia e de todos os dias batendo na porta de cada um de nós.

Entretanto, é bom sempre lembrar que os momentos de crise não são feitos para a gente entregar os pontos e ficar prostrado na lona com lamentos e choros. Pelo contrário, os momentos de crise são momentos propícios para a gente encontrar respostas aos problemas, descobrir trilhas válidas e alcançar a saída. E para começar a solucionar os problemas do CAUA temos as seguintes sugestões, todas de caráter urgente:

1 – Revisão e consertos dos espaços físicos do CAUA onde se fizer necessário.

2 – Contratação de quadro de professores para o CAUA. Sem um quadro de professores habilitados jamais conseguiremos dar qualquer passo para tirar a instituição da crise.

2 – Instrumentalizar o CAUA com os instrumentos necessários para que os alunos possam desenvolver suas sensibilidades e técnicas artísticas.

3 - Implementação no CAUA de cursos profissionalizantes de Música, Artes Plásticas, Dança, Teatro, etc., ambas reconhecidas pelo MEC, como existem em outras universidades brasileiras.

4 – Implementação de cursos de pós-graduação a nível de especialização e mestrado na área de Artes.

4 - Implementação de Cursos Livres para a clientela que não se propõe a passar pelo Curso Profissionalizante.

5 – Com o quadro de professores estabelecidos, implementar com os alunos do CAUA pequenas orquestras, duetos, trios, bandas, coros infantil, juvenil e adulto, grupos de teatro, exposição de artes plásticas, grupos de dança infantil, juvenil e adulto, etc.

6 – Implementar parcerias com o Departamento de Artes e outros Departamentos da UFAM, com a UEA, com instituições privadas e com órgãos fomentadores de cultura do Estado e do Município. Vale ressaltar que a verdadeira parceria só existe quando ambos os parceiros suprem seus interesses e necessidades. Parceria em que somente um dos lados leva vantagem não é parceria; é conversa de botequim entre malandro e otário.

7 - Melhoria salarial da bolsa-estágio dos músicos da Orquestra Vozes da Ufam para que os mesmos possam assumir compromissos mais abrangentes tanto com os ensaios da orquestra quanto desenvolver atividades pedagógicas no próprio CAUA, desde que orientados por um professor concursado da instituição.

8 - Negociação para resgatar os espaços da TV UFAM e dos Cursos de Educação a Distância que ora ocupam as dependências do CAUA, para que esses espaços voltem a funcionar com atividades pedagógicas de Arte e de produção artística.

9 – Como sonhar não ocupa espaço, batalhar para a construção de um Teatro para que a produção artística do CAUA possa ser divulgada à comunidade universitária e extra-universitária. É bom lembrar que o espaço físico deste teatro já existe e está reservado na planta original do Campus Universitário.

Não pretendemos nesse momento colocar em foco todas as questões que precisam ser solucionadas. No meu ponto de vista, o que foi dito aqui, são apenas os primeiros passos que serão dados para que possamos sair do abismo do não-lugar e subir a montanha à procura de novos horizontes e ares menos poluídos que hoje ocupam os espaços do CAUA.
Outros passos serão necessários e certamente se concretizarão com o apoio da primeira mulher a gerenciar a UFAM em cem anos de história, nossa simpática e Magnífica Reitora Márcia Perales Mendes Silva, do seu Vice-Reitor Hedinaldo Lima, da equipe de Pró-Reitores, Assessores Especiais, Diretores de Órgãos Suplementares, todos convidados para gerir a UFAM nos próximos quatro anos. Além dos atores citados acima, quero lembrar ainda que é imprescindível o apoio tático e logístico dos professores, técnicos e administradores que desempenham suas funções aqui no CAUA. Se existe um slogan que possa ser usado nesse instante para tirar o CAUA da UTI da desolação é: “gestão, investimento e trabalho”.

Pra terminar, quero dizer que me sinto muito honrado por ter recebido pessoalmente o convite da Magnífica Reitora Márcia Perales para assumir a diretoria do CAUA. Quero também dizer que aqui nada farei somente me apoiando nos meus desejos, sonhos, idealismos e delírios artísticos clorofilados. Volto a repetir: precisarei do apoio, da esperança e da ajuda de todos, principalmente dos artistas que por aqui circulam querendo concretizar seus projetos artísticos selvagens. E sendo assim, farei o possível e o necessário para resgatar o CAUA das cinzas do abandono e dos desencontros. Para isso o primeiro passo está sendo dado aqui e agora; antes tarde do que muito mais tarde.

Saudações aos que aqui se encontram presentes e os meus sinceros votos de esperança, como diz Guimarães Rosa, num límpido, lépido e luminoso futuro artístico para o Centro de Artes da Universidade Federal do Amazonas e para os artistas amazonenses. Meu fraterno muito obrigado a todos.




Adelson Oliveira dos Santos


Manaus, 06 de julho de 2009


Adelson Santos é formado em Letras, Maestro, Compositor e Professor de música da UFAM.


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domingo, 19 de julho de 2009

ALÉM DO QUADRADO

de Adelson Santos *
07/2009

Sim. E daí? Depois que você sacou a ética da malandragem inventada pelos de cima para dominar os de baixo. Depois que ultrapassou o limite dos preconceitos inventados pela moral religiosa. Depois que cansou de olhar o mundo pelo olhar do outro. Depois que ficou horrorizado com o genocídio físico e moral inventado pelos totalitarismos de esquerda ou de direita. Depois que descobriu que os regimes econômicos e políticos, seja democrático ou socialista, até hoje não resolveram os problemas do homem e nem da sociedade. Enfim, depois que encarou os olhares preconceituosos da vizinhança, que se desvencilhou de todas as amarras civilizatórias, que desconstruiu à marteladas, socos e pontapés, o quadrado que tentaram colocar você para fazer parte da manada. Depois de tudo isso o quê fazer então? O que fazer quando você lança um olhar inteligente para dentro de você mesmo e descobre que fora das coleiras e amarras civilizatórias você se transforma num super-homem que vive no vazio, na angústia e na solidão? Tem liberdade mas não sabe o que fazer com ela. Tem poder mas não compreende o sentido do poder. E daí? Diante de tanta inutilidade existencial, será que vai querer voltar para o seu mundinho de antigamente ou será que você espera construir um novo mundo de certezas, esperanças e tranqüilidades. Sei não. Pelo andar da carruagem, pelo ritmo da dança, tudo indica que você não vai chegar em qualquer lugar fora das coleiras e das amarras civilizatórias. A gente sabe que a resposta não está no consumo, no desperdício, no luxo, no carro do ano, na viagem de férias, no aparente sucesso familiar, no bom emprego, na maracutaia e na malandragem. Acho que fora do quadrado em que cada um se insere, só existe o vazio, o oco, o tempo e o espaço infinito. Acho que não estamos preparados para viver com tais conceitos. Nossos intelectos e sentimentos se perdem diante do absoluto. Somos talhados para viver nos universos relativos e obsolescentes da manada ambulante. É a lei. É a regra primordial da vida. A cultura e os seus diversos padrões culturais são os mecanismos da civilização, os ganchos inventados para que possamos seguir a viagem e chegar sei lá onde, talvez, no fundo da mãe terra ou na superfície de outro planeta. Quem sabe se por lá, num outro planeta, o homem cria juízo. Acho que seria mais lógico se a civilização investisse toda a grana dos arsenais atômicos e das armas de guerra na melhoria e no bem estar das pessoas e das sociedades. O problema é que a civilização não é lógica; a civilização é quântica. E tudo segue assim na base dos acasos, vicissitudes e aleatoriedades. E sendo assim, com uma atitude e um olhar inteligente pra dentro de nós, a opção que nos sobra é celebrar a vida enquanto temos vida. Então viva a perseverança do homem que teima em descobrir a saída simplesmente porque ele sabe que a saída existe. Para quem saiu das sombras das cavernas mal iluminadas e hoje viaja pelas fronteiras do espaço sideral, acho que já estamos no lucro. O resto fica por conta... sei lá por conta de quê fica essa porra-louquice toda.

* Adelson Santos é formado em Letras, Maestro, Compositor e Professor de música da UFAM.


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SE

Se você não participou da tragédia de ter um filho morto por absoluta falta de cuidados médicos e hospitalares. Se você nunca abandonou pelo menos duas mulheres em sua vida. Se você nunca brochou diante das mulheres mais bonitas e gostosas que um dia você quis comer na vida. Se você nunca se decepcionou porque descobriu que os amigos em que tanto confiava não passavam de traíras, sanguessugas e rêmoras militantes. Se você nunca cruzou com pelo menos dois malandros safados e imprestáveis e os mandou pra puta que os pariu sem qualquer constrangimento. Se você nunca bateu o seu carro pelo menos cinco vezes na vida. Se você nunca mandou sua mulher mais de uma vez pra casa do caralho. Se você nunca dispensou pelo menos três namoradas por causa das suas mediocridades, burrices e chatices ambulantes. Se você nunca descobriu que a namorada da hora não passava de uma ratazana chauvinista com fixações mal resolvidas ainda da fase anal. Se você nunca dispensou o poder só pra provar à si mesmo que o poder é uma droga que faz muito mal à cabeça, ao corpo e às vísceras. Se você nunca encarou uma perda, qualquer perda, como uma prova de que no fundo do poço existe uma mola que te joga pra cima em direção ao recomeço. Se você nunca brincou e jogou com a sua vida colocando-a numa corda bamba para atravessar o abismo rumo às suas utopias. Se você nunca teve coragem de acreditar em você mesmo para deixar de ser alienado pelo lero-lero fiado e fosco de padres e pastores. Se você nunca pegou chifre de uma mulher, ou de várias mulheres, e virou o maior corno da paróquia. Se você nunca abandonou um filho na estrada por absoluta falta de condições sociais e econômicas para criá-lo. Se você nunca teve a coragem de dizer na cara de uma mulher: não te quero mais. Se você nunca ouviu de uma mulher que você não é o cara que ela procura pra ser a sua cara metade. Se você nunca fez nenhuma dessas coisas é porque, das duas uma: ou você é um felizardo ou a vida passou por você e você não viveu e nem experimentou nada da vida. Se você é um felizardo, parabéns. Se está feliz consigo mesmo, parabéns outra vez. Cada um é feliz a sua maneira. Entretanto, na hipótese de você não ter experimentado nada na vida, sobra uma pergunta: o que você fez então com a sua vida? Já sei. Ficou comportado no meio da manada, obedecendo como um cordeiro as regras morais inventadas pelos pais, pela escola, pela igreja, enfim, pela civilização, a máquina de fazer alienados e loucos. E sendo assim, pelo visto, tudo indica que ficou esperando a vida passar, ressentido e odiando a si mesmo porque a vida a vida passou e ficou acreditando no impossível, ou seja, que vai gozar a vida somente depois da morte quando receber o grande prêmio de chegar ao reino dos céus para, finalmente, sentar a direita do Deus Pai. Por que à direita e não à esquerda? Acho que o importante é estar sentado, ou em pé, desde que seja perto da diretoria. Ou não? Resta ainda a ultima pergunta: será que essa diretoria existe de verdade ou é invenção dos intermediários que se auto-intitulam representantes de Deus aqui na terra? Pelo sim ou pelo não, vamos pra frente porque ficar parado é sinônimo de retrocesso. E se por um acaso você chegar à parada do Deus Pai, vou lhe pedir, por favor, que me mande noticias. Caso contrário, prefiro encarar a vida como ela se mostra, e usufruir dos meus encontros e desencontros aqui e agora.


Adelson Santos é formado em Letras, Maestro, Compositor e Professor de música da UFAM.


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sexta-feira, 10 de julho de 2009

NOSSA MÚSICA POPULAR DE CADA DIA

de Adelson Santos *
02/2009

Nesse texto, a sigla MPB (música popular brasileira) significa a música que se origina em uma determinada região do país. A princípio é usada de forma utilitária por uma pequena comunidade com funções de lazer, de trabalho, transmissão de idéias, emoções, sentimentos, ou de religião. Em seguida, após se adequar aos interesses mercadológicos da Indústria Cultural no processo capitalista de Produção x Consumo, é então difundida para milhões de pessoas através dos meios de comunicação de massa como o Rádio, a TV, o Cinema, etc.
Como exemplo, vamos aos fatos. Entre outros gêneros, o baiano tem o Axé Music, o Olodum e o Samba-Raggae. O carioca tem o Samba, a Marcha e o Choro. O paraense tem a Lambada e o Carimbó. O mineiro, o paulista, e vizinhanças geográficas, têm a Música Caipira e suas variantes industrializadas rotuladas de Música Sertaneja. O pernambucano tem o Frevo, o Maracatu e outros gêneros que se espalham pela região nordeste incluindo aí o Baião, o Forró, o Xote, o Xaxado, todos conhecidos como música nordestina. Como dá de notar, todos os gêneros musicais citados tem suas raízes culturais em uma dada comunidade regional do país. Depois de empacotados pela Indústria Cultural são divulgados para fora de suas aldeias e ganham espaço no mercado nacional, e alguns deles, no internacional.
Um fantasma que ronda a MPB é a questão da permanência. Para garantir o rótulo de MPB não basta receber superexposição na mídia e fazer sucesso em férias de verão e/ou numa novela ou programa da TV Globo. Além disso, é preciso permanecer no cenário musical por um longo tempo, se possível por décadas. Caso contrário, por falta de difusão, de exposição na mídia e de público consumidor, os gêneros musicais caem em desuso e são retirados da arena musical. Podemos citar como exemplo o Maxixe – mistura do Lundu com a Polca - que na década de vinte, mesmo sem a difusão do rádio que ainda não existia, foi o gênero que mais fez sucesso em todo o país. Entretanto, já na década de trinta, perdeu lugar pro samba e sumiu do cenário artístico para cair no buraco negro do esquecimento musical coletivo.
Às vezes, alguns gêneros de MPB sofrem mutações estéticas como resultado da mestiçagem cultural e evoluem para formas musicais em que novos elementos são incorporados à forma antiga surgindo então um novo gênero. Podemos citar como exemplo a Lambada, que é a mistura do Carimbó com gêneros caribenhos como a Cúmbia, o Merengue e o Zouk. Outro exemplo de mestiçagem cultural é a Bossa Nova, um dos gêneros brasileiros mais conhecidos e difundidos no mundo da música, que é uma composição onde se misturam os elementos harmônicos do jazz, a melodia romântica das canções portuguesas e o ritmo sincopado do samba.
Como podemos deduzir pelos exemplos e argumentos citados acima, a maior parte dos Estados brasileiros tem a sua representatividade musical com seus gêneros musicais característicos e diferenciados tanto na forma quanto no conteúdo. E sendo assim, trago para o debate a pergunta que não quer calar: cadê a música popular do amazonas, digo, do amazonense de Manaus? E se existe a tal musica amazonense, por que até hoje não atingiu o status de música nacionalizada, ou seja, difundida em todo o território nacional como é o Axé Músic, o Samba, o Baião, etc.? Será que é por causa da muralha da clorofila que nossa música não ultrapassa as fronteiras do rio e da floresta? Acho que não. Se fosse por isso a Lambada não teria saído do Pará para correr o mundo. Ou será que é a falta de raízes culturais que possam imprimir à nossa música a marca da originalidade, condição essencial para que possa receber o rótulo de música amazonense. Ou será porque nossos compositores não conseguem migrar e se estabelecer nos grandes centros difusores de cultura como o eixo Rio-São Paulo, para de lá lançar e divulgar sua obra para todo o país? Até onde consigo enxergar, os que pra lá foram, voltaram contando histórias de Sherazade sobre os mitos da cidade grande; sucesso musical, afirmação e permanência no cenário nacional que é bom, nada. Ou ainda numa conjectura mais esdrúxula: será que o amazonense não se interessa por música representativa porque, o que ele quer mesmo é curtir os mitos delirantes da Paris dos Trópicos com seus festivais de Ópera, de Jazz, de Cinema?
O que posso dizer sobre essa utopia da Paris dos Trópicos, antigo delírio dos coronéis de barranco e da oligarquia borracheira, é que, pra quem está na mamata como convidado especial faturando projeção social e ainda por cima um troco, com hospedagem e alimentação grátis em hotel cinco estrelas, com passagem de ida e volta, com toda essa mamata à disposição, é só elogios ao evento e aos promotores do mesmo. Entretanto, enquanto isso, os artistas da terra ficam só olhando e chupando o dedo com caras e bocas de eterno mestiço da aldeia colonizado, com uma grande dor-de-cotovelo por ver sumir a grana da cultura pelo ralo do desperdício. E tudo, infelizmente, para bancar os delírios da burguesia clorofilada que “quer mostrar o que não tem” e “parecer o que não é”. Triste o destino de uma cidade em que os “donos da cultura” preferem, de um lado, induzir o artista mestiço ao silencio, ao esquecimento e à obscuridade do sótão, e de outro, fazer da arte um objeto de manipulação política para aparecer no Fantástico e conquistar votos. E aí já viu: onde político se mete, considerando as raríssimas exceções, só tem sujeira, corrupção e bandalheira.
E o público, como fica nessa utopia surrealista da Paris dos Trópicos? Bem. Os de cima ocupam a platéia e os camarotes do teatro para ver e ouvir as divas e os divos em ação garimpando um troco com a estética post-mortem. Enquanto isso os de baixo se divertem como podem: ou na lateral do teatro vendo o espetáculo nos telões High Tech de última geração; ou na porta do teatro vendo os famosos de hollywood e o “Rambo do Amazonas” (tanto o nome quanto o personagem são ridículos) desfilarem no tapete vermelho; ou ainda em alguma arena fantasiados com abadás coloridos atrás de um Trio Elétrico insuportavelmente barulhento. Tudo para sentir que não estão mortos vivendo com charlatanismo.
Digressões à parte, a verdade é que no cenário da MPB a lacuna da música popular amazonense continua vazia. O que a gente encontra como proposta para preencher essa lacuna vazia? A Toada de Boi, a Ciranda, o Beiradão, a MPBA (Música Popular Brasileira feita por compositores amazonenses), o FECANI. Pelo visto nenhum dessas propostas até hoje conquistou o sucesso e o status de permanência no cenário da MPB. Se alguma coisa conquistou foi o sucesso regional.
Toada de Boi? Não convence. Letras de música carentes de universalidade com poética voltada para a disputa entre o azul e vermelho, coisa que só faz sentido ao pessoal da ilha. Música redundante na melodia, no ritmo e na harmonia. Como subproduto do folclore a música fica bem contextualizada. Na arena, encanta e faz o povo dançar. Entretanto, como proposta musical, até hoje não conseguiu extrapolar as fronteiras da clorofila. Todas as tentativas que foram feitas para divulgar a toada de boi nacional e internacionalmente, terminaram no não-lugar.
E a Ciranda? Gênero musical resultado de miscigenação cultural entre guitarras, teclados, Carimbó e outros gêneros caribenhos. Na dança fica bem encaixada. Porém, como proposta musical para preencher a lacuna vazia no cenário da MPB, também não convence. Não consegue sequer atravessar o Rio Negro pra chegar às rádios de Manaus.
E o Beiradão? Propagado maciçamente em todo o Amazonas pelas rádios de Manaus e do interior na década de 70, e mais shows ao vivo com o sax alto de Teixeira de Manaus com direito a Disco de Ouro pelo sucesso de vendas. Mistura de Carimbó, Calipso, e outros gêneros caribenhos. Música de pouca desenvoltura melódica e harmônica, porém, ritmicamente dançante e envolvente. Mas também não alçou vôo para além da floresta e do rio. Resiste heroicamente pela periferia, sufocada entre as preconceitos da cidade, as lendas do rio e os mitos da floresta.
Que mais? Temos ainda a MPBA, ou seja, música popular brasileira de autor amazonense. Essa corrente de compositores que a partir da década de 60 inaugura a produção musical local, nada mais faz do que usar fórmulas melódicas, rítmicas e harmônicas sedimentadas pela Indústria Cultural. Para alcançar o status de música representativa do Amazonas falta tudo, ou seja, a cor local, a raiz cultural, a permanência e a difusão nacional. Isto significa dizer que jamais servirá como proposta de música representativa da região. É muito comum um ou outro compositor fazer sucesso regional com esse tipo de música. Merece aplausos. Entretanto, isso não tem nada a ver com música representativa. Isso tem tudo a ver com música autoral, de compositor conhecido, estruturando obra com formas popularizadas no mercado musical. Para atingir o status de gênero de MPB tem que permanecer no mercado e ser divulgada por todo o país.
E o FECANI, propagado como o maior festival de MPBA do norte? Antigamente a partir da década de 60, os festivais tinham duas funções relevantes: 1) como palco de contestação política à Ditadura Militar implantada no Brasil a partir de 64; 2) como meio de descoberta de novos compositores de MPB para suprir o mercado. Por duas décadas os festivais tiveram esses objetivos. Depois virou arraial e festa da padroeira e/ou um sortudo negócio musical que serve de curral eleitoral para os políticos da hora, além de uma boa negociata financeira para os seus promotores e os “ganhadores do primeiro lugar”. Enfim, a música deixou de ter funções artísticas, estéticas e ideológicas para virar fetiche, mercadoria descartável e objeto de promoção pessoal.
E assim a gente segue com a nossa música popular de cada dia. Só não sei pra onde. Como diz Cézane: “em arte, ou se é revolucionário ou plagiário”. Do jeito que a canoa segue na correnteza, acho que estamos fadados ao status de plagiário por mais, pelo menos, uns quinhentos anos.

* Adelson Santos é formado em Letras, Maestro, Compositor e Professor de música da UFAM.


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