sexta-feira, 10 de julho de 2009

NOSSA MÚSICA POPULAR DE CADA DIA

de Adelson Santos *
02/2009

Nesse texto, a sigla MPB (música popular brasileira) significa a música que se origina em uma determinada região do país. A princípio é usada de forma utilitária por uma pequena comunidade com funções de lazer, de trabalho, transmissão de idéias, emoções, sentimentos, ou de religião. Em seguida, após se adequar aos interesses mercadológicos da Indústria Cultural no processo capitalista de Produção x Consumo, é então difundida para milhões de pessoas através dos meios de comunicação de massa como o Rádio, a TV, o Cinema, etc.
Como exemplo, vamos aos fatos. Entre outros gêneros, o baiano tem o Axé Music, o Olodum e o Samba-Raggae. O carioca tem o Samba, a Marcha e o Choro. O paraense tem a Lambada e o Carimbó. O mineiro, o paulista, e vizinhanças geográficas, têm a Música Caipira e suas variantes industrializadas rotuladas de Música Sertaneja. O pernambucano tem o Frevo, o Maracatu e outros gêneros que se espalham pela região nordeste incluindo aí o Baião, o Forró, o Xote, o Xaxado, todos conhecidos como música nordestina. Como dá de notar, todos os gêneros musicais citados tem suas raízes culturais em uma dada comunidade regional do país. Depois de empacotados pela Indústria Cultural são divulgados para fora de suas aldeias e ganham espaço no mercado nacional, e alguns deles, no internacional.
Um fantasma que ronda a MPB é a questão da permanência. Para garantir o rótulo de MPB não basta receber superexposição na mídia e fazer sucesso em férias de verão e/ou numa novela ou programa da TV Globo. Além disso, é preciso permanecer no cenário musical por um longo tempo, se possível por décadas. Caso contrário, por falta de difusão, de exposição na mídia e de público consumidor, os gêneros musicais caem em desuso e são retirados da arena musical. Podemos citar como exemplo o Maxixe – mistura do Lundu com a Polca - que na década de vinte, mesmo sem a difusão do rádio que ainda não existia, foi o gênero que mais fez sucesso em todo o país. Entretanto, já na década de trinta, perdeu lugar pro samba e sumiu do cenário artístico para cair no buraco negro do esquecimento musical coletivo.
Às vezes, alguns gêneros de MPB sofrem mutações estéticas como resultado da mestiçagem cultural e evoluem para formas musicais em que novos elementos são incorporados à forma antiga surgindo então um novo gênero. Podemos citar como exemplo a Lambada, que é a mistura do Carimbó com gêneros caribenhos como a Cúmbia, o Merengue e o Zouk. Outro exemplo de mestiçagem cultural é a Bossa Nova, um dos gêneros brasileiros mais conhecidos e difundidos no mundo da música, que é uma composição onde se misturam os elementos harmônicos do jazz, a melodia romântica das canções portuguesas e o ritmo sincopado do samba.
Como podemos deduzir pelos exemplos e argumentos citados acima, a maior parte dos Estados brasileiros tem a sua representatividade musical com seus gêneros musicais característicos e diferenciados tanto na forma quanto no conteúdo. E sendo assim, trago para o debate a pergunta que não quer calar: cadê a música popular do amazonas, digo, do amazonense de Manaus? E se existe a tal musica amazonense, por que até hoje não atingiu o status de música nacionalizada, ou seja, difundida em todo o território nacional como é o Axé Músic, o Samba, o Baião, etc.? Será que é por causa da muralha da clorofila que nossa música não ultrapassa as fronteiras do rio e da floresta? Acho que não. Se fosse por isso a Lambada não teria saído do Pará para correr o mundo. Ou será que é a falta de raízes culturais que possam imprimir à nossa música a marca da originalidade, condição essencial para que possa receber o rótulo de música amazonense. Ou será porque nossos compositores não conseguem migrar e se estabelecer nos grandes centros difusores de cultura como o eixo Rio-São Paulo, para de lá lançar e divulgar sua obra para todo o país? Até onde consigo enxergar, os que pra lá foram, voltaram contando histórias de Sherazade sobre os mitos da cidade grande; sucesso musical, afirmação e permanência no cenário nacional que é bom, nada. Ou ainda numa conjectura mais esdrúxula: será que o amazonense não se interessa por música representativa porque, o que ele quer mesmo é curtir os mitos delirantes da Paris dos Trópicos com seus festivais de Ópera, de Jazz, de Cinema?
O que posso dizer sobre essa utopia da Paris dos Trópicos, antigo delírio dos coronéis de barranco e da oligarquia borracheira, é que, pra quem está na mamata como convidado especial faturando projeção social e ainda por cima um troco, com hospedagem e alimentação grátis em hotel cinco estrelas, com passagem de ida e volta, com toda essa mamata à disposição, é só elogios ao evento e aos promotores do mesmo. Entretanto, enquanto isso, os artistas da terra ficam só olhando e chupando o dedo com caras e bocas de eterno mestiço da aldeia colonizado, com uma grande dor-de-cotovelo por ver sumir a grana da cultura pelo ralo do desperdício. E tudo, infelizmente, para bancar os delírios da burguesia clorofilada que “quer mostrar o que não tem” e “parecer o que não é”. Triste o destino de uma cidade em que os “donos da cultura” preferem, de um lado, induzir o artista mestiço ao silencio, ao esquecimento e à obscuridade do sótão, e de outro, fazer da arte um objeto de manipulação política para aparecer no Fantástico e conquistar votos. E aí já viu: onde político se mete, considerando as raríssimas exceções, só tem sujeira, corrupção e bandalheira.
E o público, como fica nessa utopia surrealista da Paris dos Trópicos? Bem. Os de cima ocupam a platéia e os camarotes do teatro para ver e ouvir as divas e os divos em ação garimpando um troco com a estética post-mortem. Enquanto isso os de baixo se divertem como podem: ou na lateral do teatro vendo o espetáculo nos telões High Tech de última geração; ou na porta do teatro vendo os famosos de hollywood e o “Rambo do Amazonas” (tanto o nome quanto o personagem são ridículos) desfilarem no tapete vermelho; ou ainda em alguma arena fantasiados com abadás coloridos atrás de um Trio Elétrico insuportavelmente barulhento. Tudo para sentir que não estão mortos vivendo com charlatanismo.
Digressões à parte, a verdade é que no cenário da MPB a lacuna da música popular amazonense continua vazia. O que a gente encontra como proposta para preencher essa lacuna vazia? A Toada de Boi, a Ciranda, o Beiradão, a MPBA (Música Popular Brasileira feita por compositores amazonenses), o FECANI. Pelo visto nenhum dessas propostas até hoje conquistou o sucesso e o status de permanência no cenário da MPB. Se alguma coisa conquistou foi o sucesso regional.
Toada de Boi? Não convence. Letras de música carentes de universalidade com poética voltada para a disputa entre o azul e vermelho, coisa que só faz sentido ao pessoal da ilha. Música redundante na melodia, no ritmo e na harmonia. Como subproduto do folclore a música fica bem contextualizada. Na arena, encanta e faz o povo dançar. Entretanto, como proposta musical, até hoje não conseguiu extrapolar as fronteiras da clorofila. Todas as tentativas que foram feitas para divulgar a toada de boi nacional e internacionalmente, terminaram no não-lugar.
E a Ciranda? Gênero musical resultado de miscigenação cultural entre guitarras, teclados, Carimbó e outros gêneros caribenhos. Na dança fica bem encaixada. Porém, como proposta musical para preencher a lacuna vazia no cenário da MPB, também não convence. Não consegue sequer atravessar o Rio Negro pra chegar às rádios de Manaus.
E o Beiradão? Propagado maciçamente em todo o Amazonas pelas rádios de Manaus e do interior na década de 70, e mais shows ao vivo com o sax alto de Teixeira de Manaus com direito a Disco de Ouro pelo sucesso de vendas. Mistura de Carimbó, Calipso, e outros gêneros caribenhos. Música de pouca desenvoltura melódica e harmônica, porém, ritmicamente dançante e envolvente. Mas também não alçou vôo para além da floresta e do rio. Resiste heroicamente pela periferia, sufocada entre as preconceitos da cidade, as lendas do rio e os mitos da floresta.
Que mais? Temos ainda a MPBA, ou seja, música popular brasileira de autor amazonense. Essa corrente de compositores que a partir da década de 60 inaugura a produção musical local, nada mais faz do que usar fórmulas melódicas, rítmicas e harmônicas sedimentadas pela Indústria Cultural. Para alcançar o status de música representativa do Amazonas falta tudo, ou seja, a cor local, a raiz cultural, a permanência e a difusão nacional. Isto significa dizer que jamais servirá como proposta de música representativa da região. É muito comum um ou outro compositor fazer sucesso regional com esse tipo de música. Merece aplausos. Entretanto, isso não tem nada a ver com música representativa. Isso tem tudo a ver com música autoral, de compositor conhecido, estruturando obra com formas popularizadas no mercado musical. Para atingir o status de gênero de MPB tem que permanecer no mercado e ser divulgada por todo o país.
E o FECANI, propagado como o maior festival de MPBA do norte? Antigamente a partir da década de 60, os festivais tinham duas funções relevantes: 1) como palco de contestação política à Ditadura Militar implantada no Brasil a partir de 64; 2) como meio de descoberta de novos compositores de MPB para suprir o mercado. Por duas décadas os festivais tiveram esses objetivos. Depois virou arraial e festa da padroeira e/ou um sortudo negócio musical que serve de curral eleitoral para os políticos da hora, além de uma boa negociata financeira para os seus promotores e os “ganhadores do primeiro lugar”. Enfim, a música deixou de ter funções artísticas, estéticas e ideológicas para virar fetiche, mercadoria descartável e objeto de promoção pessoal.
E assim a gente segue com a nossa música popular de cada dia. Só não sei pra onde. Como diz Cézane: “em arte, ou se é revolucionário ou plagiário”. Do jeito que a canoa segue na correnteza, acho que estamos fadados ao status de plagiário por mais, pelo menos, uns quinhentos anos.

* Adelson Santos é formado em Letras, Maestro, Compositor e Professor de música da UFAM.


Outras leituras no blog: www.adelsonsantos.blogspot.com

3 comentários:

  1. não conheci esse cantor,mas se eu ouvisse as musicas dele eu acho que ia gostar!!!

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  2. OI MYLA. RESOLVI ENTRAR NO MEU BLOG HOJE. COISA QUE NÃO FAÇO MAIS DE UM ANO. FIQUEI SURPRESO COM O SEU COMENTÁRIO.
    VALEU. UM ABRAÇO DO ADELSON SANTOS

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  3. Sou seu fã desde 1982. Morei em Manaus e gostava demais de ouvir suas canções no rádio. Se não me engano você compôs "Dessana" e uma outra linda que falava em "Não mate a mata, não mate a mata , a virgem verde bem que merece, consideração", e outras que acho fantásticas. Pelo que sei além de cantor e compositor , você é um excelente instrumentista. Onde eu encontro seus discos para comprar? Um abraço e Feliz Natal.

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