sábado, 25 de julho de 2009

DISCURSO DE POSSE
FEITO NO CAUA PELO NOVO DIRETOR
ADELSON SANTOS
Manaus, 6 de julho de 2009
Depois de 64 anos viajando pelas estradas da vida, no meio de tantos buracos e curvas ultrapassadas perigosamente, tantos caminhos e atalhos percorridos, tantas encruzilhadas perigosas, tantos sonhos desfeitos, tantas fronteiras alcançadas e limites superados, tenho a impressão que hoje posso me dar ao luxo de andar de costas para o futuro e olhar de frente para o passado.
E entre tantas coisas que vejo quando olho de frente para o passado, percebo que o CAUA (Centro de Artes da Universidade do Amazonas) já foi um dos maiores centros de atividades pedagógicas e produção artística, sem qualquer exagero, do Amazonas e do Norte do País. Aqui, em época de matrícula, havia fila de alunos interessados em desenvolver algum tipo de habilitação artística e, geralmente, todas as vagas disponíveis eram preenchidas por pessoas sem distinção étnica, credo ou classe social. Até onde a memória me permite alcançar, aqui havia aula de todos os tipos de instrumentos musicais, de dança, de artes plásticas, de teatro, formação de corais infantis, juvenis e de adultos. Lembro que, durante 15 anos que aqui ministrei aulas de violão, passaram por mim, pelo menos perto de cinco mil alunos. E hoje, com todos os desgostos, tristezas e melancolias do mundo, vejo que tudo isso acabou. Quando se fala em aula de arte ou de produção artística posso afirmar que sobrou muito pouco, ou seja, alguma coisa na área de dança, de teoria musical e de artes plásticas. Na verdade, como os fatos comprovam, os espaços que antes eram preenchidos por milhares de alunos interessado em aprendizagem e aprimoramento artístico, estão hoje ocupados por ratos, baratas, pulgas e cupins. Que triste e melancólico desfecho. Isto é absolutamente deprimente.

E como chegamos a isso? Através de uma diminuta síntese histórica, não é difícil entender as causas do que hoje encontramos aqui. Senão vejamos: 1) gestões equivocadas por falsas interpretações do que vem a ser o sentido da arte na formação do gosto e desenvolvimento espiritual do ser humano; 2) gestores que não estavam preocupados com atividades artísticas e sim com outros projetos sem qualquer conexão com os fundamentos filosóficos de uma escola de arte; 3) gestores incompetentes que, ao invés de desenvolver a pedagogia da arte e implementar a produção artística, faziam do CAUA local de encontro para reuniões de todos os matizes, inclusive de partido político; 4) falta de um quadro de professores efetivos pois os que aqui haviam, migraram para a graduação no Departamento de Artes, outros migraram para fora do Estado, e outros ainda se aposentaram. E nos últimos capítulos desse drama artístico selvagem, a opção que sobrou foi contratar professores sem qualquer titulação profissional, para aqui ministrarem aula. E desta forma se deu o final da novela que, com certeza, não vale a pena ver de novo.

E assim, infelizmente, depois de trilhar tais caminhos tão sinuosos, chegamos aqui onde estamos agora, ou seja, no não-lugar. O que fazer daqui pra frente? Para responder a esta pergunta, temos duas propostas: ou ficamos no não-lugar da desolação com o risco concreto de perder o lugar reservado para os artistas e as artes dentro da UFAM, ou precisamos urgentemente de inventar maneiras para sair desse buraco negro. Eu acho que deixar ficar como está não faz o menor sentido; nem para a comunidade que tanto necessita disso aqui funcionando e nem para os futuros gestores da UFAM. Afinal de contas, uma universidade sem atividades artísticas é uma universidade manca. É preciso nunca perder de vista que o conhecimento não se transmite somente através da ciência. A emoção, o sentimento, a imaginação, a criatividade, a memória, a disciplina, são elementos da psicologia humana que a arte usa para imprimir conhecimento e desenvolver o homem em sua plenitude. Os gregos já sabiam disso.

Vivemos hoje numa época de crise. Só para citar algumas: crise de gripe suína, crise financeira internacional determinada pelos corruptos e malandros de Wall Street, crise no Congresso Nacional promovida pelos meliantes engravatados que compram passagens, ambulâncias e castelos com dinheiro que o povo paga de impostos com tanto sacrifício; é crise no judiciário que não julga os 40 ladrões de Ali Babá, que não pune os meliantes engravatados de Brasília e de outras casas legislativas pelo país afora, entretanto, manda soltar banqueiros, doleiros e mensaleiros. E tem outras crises mais abrangentes como o aquecimento global, a destruição da Floresta Amazônica pela fome insaciável do capitalismo internacional e nacional, a miséria e a violência de cada dia e de todos os dias batendo na porta de cada um de nós.

Entretanto, é bom sempre lembrar que os momentos de crise não são feitos para a gente entregar os pontos e ficar prostrado na lona com lamentos e choros. Pelo contrário, os momentos de crise são momentos propícios para a gente encontrar respostas aos problemas, descobrir trilhas válidas e alcançar a saída. E para começar a solucionar os problemas do CAUA temos as seguintes sugestões, todas de caráter urgente:

1 – Revisão e consertos dos espaços físicos do CAUA onde se fizer necessário.

2 – Contratação de quadro de professores para o CAUA. Sem um quadro de professores habilitados jamais conseguiremos dar qualquer passo para tirar a instituição da crise.

2 – Instrumentalizar o CAUA com os instrumentos necessários para que os alunos possam desenvolver suas sensibilidades e técnicas artísticas.

3 - Implementação no CAUA de cursos profissionalizantes de Música, Artes Plásticas, Dança, Teatro, etc., ambas reconhecidas pelo MEC, como existem em outras universidades brasileiras.

4 – Implementação de cursos de pós-graduação a nível de especialização e mestrado na área de Artes.

4 - Implementação de Cursos Livres para a clientela que não se propõe a passar pelo Curso Profissionalizante.

5 – Com o quadro de professores estabelecidos, implementar com os alunos do CAUA pequenas orquestras, duetos, trios, bandas, coros infantil, juvenil e adulto, grupos de teatro, exposição de artes plásticas, grupos de dança infantil, juvenil e adulto, etc.

6 – Implementar parcerias com o Departamento de Artes e outros Departamentos da UFAM, com a UEA, com instituições privadas e com órgãos fomentadores de cultura do Estado e do Município. Vale ressaltar que a verdadeira parceria só existe quando ambos os parceiros suprem seus interesses e necessidades. Parceria em que somente um dos lados leva vantagem não é parceria; é conversa de botequim entre malandro e otário.

7 - Melhoria salarial da bolsa-estágio dos músicos da Orquestra Vozes da Ufam para que os mesmos possam assumir compromissos mais abrangentes tanto com os ensaios da orquestra quanto desenvolver atividades pedagógicas no próprio CAUA, desde que orientados por um professor concursado da instituição.

8 - Negociação para resgatar os espaços da TV UFAM e dos Cursos de Educação a Distância que ora ocupam as dependências do CAUA, para que esses espaços voltem a funcionar com atividades pedagógicas de Arte e de produção artística.

9 – Como sonhar não ocupa espaço, batalhar para a construção de um Teatro para que a produção artística do CAUA possa ser divulgada à comunidade universitária e extra-universitária. É bom lembrar que o espaço físico deste teatro já existe e está reservado na planta original do Campus Universitário.

Não pretendemos nesse momento colocar em foco todas as questões que precisam ser solucionadas. No meu ponto de vista, o que foi dito aqui, são apenas os primeiros passos que serão dados para que possamos sair do abismo do não-lugar e subir a montanha à procura de novos horizontes e ares menos poluídos que hoje ocupam os espaços do CAUA.
Outros passos serão necessários e certamente se concretizarão com o apoio da primeira mulher a gerenciar a UFAM em cem anos de história, nossa simpática e Magnífica Reitora Márcia Perales Mendes Silva, do seu Vice-Reitor Hedinaldo Lima, da equipe de Pró-Reitores, Assessores Especiais, Diretores de Órgãos Suplementares, todos convidados para gerir a UFAM nos próximos quatro anos. Além dos atores citados acima, quero lembrar ainda que é imprescindível o apoio tático e logístico dos professores, técnicos e administradores que desempenham suas funções aqui no CAUA. Se existe um slogan que possa ser usado nesse instante para tirar o CAUA da UTI da desolação é: “gestão, investimento e trabalho”.

Pra terminar, quero dizer que me sinto muito honrado por ter recebido pessoalmente o convite da Magnífica Reitora Márcia Perales para assumir a diretoria do CAUA. Quero também dizer que aqui nada farei somente me apoiando nos meus desejos, sonhos, idealismos e delírios artísticos clorofilados. Volto a repetir: precisarei do apoio, da esperança e da ajuda de todos, principalmente dos artistas que por aqui circulam querendo concretizar seus projetos artísticos selvagens. E sendo assim, farei o possível e o necessário para resgatar o CAUA das cinzas do abandono e dos desencontros. Para isso o primeiro passo está sendo dado aqui e agora; antes tarde do que muito mais tarde.

Saudações aos que aqui se encontram presentes e os meus sinceros votos de esperança, como diz Guimarães Rosa, num límpido, lépido e luminoso futuro artístico para o Centro de Artes da Universidade Federal do Amazonas e para os artistas amazonenses. Meu fraterno muito obrigado a todos.




Adelson Oliveira dos Santos


Manaus, 06 de julho de 2009


Adelson Santos é formado em Letras, Maestro, Compositor e Professor de música da UFAM.


Outras leituras no blog: www.adelsonsantos.blogspot.com

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