domingo, 19 de julho de 2009

SE

Se você não participou da tragédia de ter um filho morto por absoluta falta de cuidados médicos e hospitalares. Se você nunca abandonou pelo menos duas mulheres em sua vida. Se você nunca brochou diante das mulheres mais bonitas e gostosas que um dia você quis comer na vida. Se você nunca se decepcionou porque descobriu que os amigos em que tanto confiava não passavam de traíras, sanguessugas e rêmoras militantes. Se você nunca cruzou com pelo menos dois malandros safados e imprestáveis e os mandou pra puta que os pariu sem qualquer constrangimento. Se você nunca bateu o seu carro pelo menos cinco vezes na vida. Se você nunca mandou sua mulher mais de uma vez pra casa do caralho. Se você nunca dispensou pelo menos três namoradas por causa das suas mediocridades, burrices e chatices ambulantes. Se você nunca descobriu que a namorada da hora não passava de uma ratazana chauvinista com fixações mal resolvidas ainda da fase anal. Se você nunca dispensou o poder só pra provar à si mesmo que o poder é uma droga que faz muito mal à cabeça, ao corpo e às vísceras. Se você nunca encarou uma perda, qualquer perda, como uma prova de que no fundo do poço existe uma mola que te joga pra cima em direção ao recomeço. Se você nunca brincou e jogou com a sua vida colocando-a numa corda bamba para atravessar o abismo rumo às suas utopias. Se você nunca teve coragem de acreditar em você mesmo para deixar de ser alienado pelo lero-lero fiado e fosco de padres e pastores. Se você nunca pegou chifre de uma mulher, ou de várias mulheres, e virou o maior corno da paróquia. Se você nunca abandonou um filho na estrada por absoluta falta de condições sociais e econômicas para criá-lo. Se você nunca teve a coragem de dizer na cara de uma mulher: não te quero mais. Se você nunca ouviu de uma mulher que você não é o cara que ela procura pra ser a sua cara metade. Se você nunca fez nenhuma dessas coisas é porque, das duas uma: ou você é um felizardo ou a vida passou por você e você não viveu e nem experimentou nada da vida. Se você é um felizardo, parabéns. Se está feliz consigo mesmo, parabéns outra vez. Cada um é feliz a sua maneira. Entretanto, na hipótese de você não ter experimentado nada na vida, sobra uma pergunta: o que você fez então com a sua vida? Já sei. Ficou comportado no meio da manada, obedecendo como um cordeiro as regras morais inventadas pelos pais, pela escola, pela igreja, enfim, pela civilização, a máquina de fazer alienados e loucos. E sendo assim, pelo visto, tudo indica que ficou esperando a vida passar, ressentido e odiando a si mesmo porque a vida a vida passou e ficou acreditando no impossível, ou seja, que vai gozar a vida somente depois da morte quando receber o grande prêmio de chegar ao reino dos céus para, finalmente, sentar a direita do Deus Pai. Por que à direita e não à esquerda? Acho que o importante é estar sentado, ou em pé, desde que seja perto da diretoria. Ou não? Resta ainda a ultima pergunta: será que essa diretoria existe de verdade ou é invenção dos intermediários que se auto-intitulam representantes de Deus aqui na terra? Pelo sim ou pelo não, vamos pra frente porque ficar parado é sinônimo de retrocesso. E se por um acaso você chegar à parada do Deus Pai, vou lhe pedir, por favor, que me mande noticias. Caso contrário, prefiro encarar a vida como ela se mostra, e usufruir dos meus encontros e desencontros aqui e agora.


Adelson Santos é formado em Letras, Maestro, Compositor e Professor de música da UFAM.


Outras leituras no blog: www.adelsonsantos.blogspot.com

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