sábado, 18 de setembro de 2010

SOMOS TODOS CÚMPLICES


de Adelson Santos *
16/09/2010

Ser cúmplice, no pior sentido, é participar como co-autor de um delito ou de um crime. Tal conceito me leva a pensar que somos cúmplices na degeneração ética e moral que se espraia como Erva Daninha em nossa sociedade. E não adianta dá uma de bom moço, ou de bom menino filhinho da mamãe e do papai, ou de cidadão com pose de reputação ilibada e cumpridor dos seus deveres para com Deus, com a família e com a pátria. A questão é que a força centrípeta desse buraco negro atrai todos para o seu centro. E sendo assim, dá de perceber que ninguém escapa de sua atração fatal e do seu horizonte de eventos. Senão vejamos, por exemplo:
Somos cúmplices quando, pela manhã, pela tarde ou a qualquer outra hora do dia, puxamos a descarga do vaso sanitário de nossas casas. Fatalmente, pela inércia de movimento e força da gravidade, todos os cocôs seguem rumo aos esgotos ou igarapés poluídos que vão desembocar nas margens do Rio Negro em frente à cidade. Pelas estatísticas dos fofoqueiros militantes, sabe-se que pelo menos dois milhões de toneladas de cocô por hora são despejados nas águas. Eu acho que é cocô demais para um rio já tão saturado de receber merda em suas margens todos os dias.
Somos cúmplices quando fechamos os olhos para os camelôs que invadiram o centro da cidade com bancas de tudo quanto é bugigangas em detrimento do espaço do pedestre, da negação da beleza da cidade e do conforto do cidadão.
Somos cúmplices quando vivemos na base do “farinha pouca meu pirão primeiro”, ou seja, se eu estou bem com o meu umbigo, com os vizinhos, com a família, com Deus, o resto que se lixe, ou seja, dane-se o mundo que meu nome não é Raimundo.
Somos cúmplices quando nada fazemos para acabar com os desmatamentos da floresta amazônica que só serve aos interesses do capitalismo selvagem e dos capitalistas insanos.
Somos cúmplices quando fingimos não ver nossas crianças e jovens fumando crack e cheirando cola pelas ruas e praças da cidade.
Somos cúmplices quando silenciamos diante dos flanelinhas que nos extorquem com seus redundantes pregões: “pode deixar que eu tomo de conta patrão”.
Somos cúmplices quando abarrotamos as ruas da cidade com nossos carros que engarrafam no trânsito e consomem gasolina inutilmente além de contribuir para poluir a cidade e o meio ambiente. Não seria mais lógico se deixássemos nossos carros na garagem e fôssemos trabalhar usando o transporte de massa? Mas cadê o transporte de massa? Ouvi dizer que governo e indústria não se interessam por isso. Dá mais lucro vender carro do que construir transporte de massa. Interessante! É isso aí.
Somos cúmplices por tudo o que até aqui foi dito. E tem mais a ser dito. Vejamos:
Somos todos cúmplices quando ficamos calados diante de uma educação pública de terceiro mundo, irresponsável e inconseqüente, feita para os alienados do presente e futuros excluídos de nossa pátria mãe senil. Depois não venham chorar nos meus ombros por causa de bala perdida, assaltos a mão armada, roubo seguido de morte.
Somos cúmplices quando silenciamos diante das pessoas que morrem na porta dos hospitais por falta de leito, de médicos, enfim, de tudo.
Somos cúmplices quando nada fazemos diante de uma justiça inoperante feita para ricos, de um congresso corrupto que só legisla em causa própria, de um executivo que se encantou com o poder e, se vacilar, vai acabar virando santo com direito a uma estátua lá em Juazeiro do Norte bem ao lado do Padim Ciço, erigida pela confraria dos apaniguados, corruptos militantes, companheiros sindicalistas, e pobres de todo o Brasil. Sim meus caros companheiros de cumplicidade.
Somos todos cúmplices quando silenciamos diante da instalação de corujinhas pela cidade em nome da “defesa da vida”, entretanto, sabemos que o grande intuito por trás disso é, mais uma vez, roubar dinheiro do povo. Ao invés de corujinhas, por que não passarelas desmontáveis?
Somos todos cúmplices quando permitimos que os políticos corruptos ajam impunemente roubando o dinheiro do povo para aliciar mensaleiros, construir castelos, comprar mansões em beira de praia e carrões milionários.
Somos cúmplices quando incentivamos a cultura dos heróis de chuteiras, todos bilionários, enquanto o pessoal de baixo cada vez mais pobre sem um mínimo de dignidade humana só esperando a morte chegar para ser feliz na outra vida ao lado de Jesus no reino dos céus. Nessa eu não entro. Nessa eu não embarco. Vida como essa que tenho só existe aqui e agora. O que sei do futuro é que “és pó e ao pó voltarás”. Pelo menos é o que está escrito nas páginas de um antigo livro rotulado de “sagrado”.



* Adelson Santos é formado em Letras, Maestro, Compositor e Professor de música da UFAM.


Outras leituras no blog: www.adelsonsantos.blogspot.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário