terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A DEMOCRACIA RESISTE

A DEMOCRACIA RESISTE



de Adelson Santos *



A democracia resiste. Com ética e com falta de ética. Com reais, com dólares em malas ou nas cuecas. Com avalistas morais ou imorais. Com congressistas expondo suas vaidades e arrogâncias nas suas defesas de teses e acusações espúrias no salão da CPMI. A democracia resiste com pessoas que, apesar de tudo, ainda acreditam que é possível fazer desse país uma nação moralmente saudável para nossos filhos e netos. A democracia resiste com crenças e descrenças. Com gritos ruidosos, com cacarejadas ocas e silêncios atordoantes. Com abafas e desabafas de CPIS. Com humor imbricado na seriedade. O Brasil é assim mesmo. Sua frágil democracia é feita para multidões de homens honestos e para alguns poucos corruptos e corruptores que dilapidam a coisa pública em proveito próprio. É feita também de subornos e subornados, arapongas e escutas telefônicas.
E de repente, no auge da farra e da imoralidade com a coisa pública, eis que aparece, sempre aparece alguém, um advogado criminalista que tentaram excluir da turma porque sabia demais, uma secretária elegante, bonita e corajosa (sem exageros, diria até que é uma heroína pós-moderna que acredita que a corrupção é a maior desgraça deste País – os gregos já sabiam disso, é só ler Platão que está lá com todas as letras), e pra completar os ingredientes do bolo, um baixinho careca, um cidadão romântico que adora a esposa (que lindo), os filhos, e de ganhar muito dinheiro. De dinheiro sujo é claro. E pra completar o drama ainda está faltando aparecer o motorista, aquele que carrega a mala. Bem o motorista já se sabe que existe. Está escondido. Mas vai aparecer com certeza. Nossa polícia federal é especialista em descobrir pessoas escondidas, quando deixam, é claro. Sempre tem na tragicomédia da política brasileira um motorista ou um secretário particular do manda-chuva. Foi assim com Getúlio, foi assim com o mauricinho Collor e assim continuará sendo enquanto resistir a nossa jovem democracia. A grande novidade é que agora apareceu na cena pra representar o drama um advogado criminalista. Excelente ator, bom de retórica, cantor de óperas e de Lupicínio Rodrigues (adorei Nervos de Aço no Jô). Um advogado que se diz “homem honrado” e acredita piamente que a honra e alma de um homem, mesmo sendo corrupto, em nenhuma hipótese pode ser jogada na lama, ainda mais quando tal ação é feita com um filminho de terceira categoria que mostra um personagem apanhando 3 mil reais das mãos de um araponga e vai direto pro bolso do seu paletó. Homem peitudo, como diz o Jabor, esse Bob Jeff. Bom de porrada. Impertinente. Desafiador. Desses que aponta o dedo na cara e acusa, denuncia, e ainda diz que não é preciso provar nada porque ele é a prova, assim calando todos os seus pares num silêncio ensurdecedor. E todas as ratazanas se recolhem aos aposentos de suas consciências culpadas e desmoralizadas publicamente, com o rabo escondido entre as pernas. Que força. Que performance. E quando, no dia seguinte, uma senadora se arvora a chamá-lo de mentiroso ele manda um bilhete dizendo: “cale-se para sempre. Você não tem lastro moral pra me chamar de mentiroso. To sabendo que você pertence à cúpula daqueles que mandavam distribuir mensalões no congresso para comprar medidas provisórias”. Cruel. O cara é cruel. É este cara, mistura de Hobin Hood e Al Capone, herói e vilão da pós-modernidade, que vem à público pra denunciar toda a sujeira. É esse cara que, com uma única palavra chave: mensalão, pronunciada como se fosse uma oração pra espantar corruptos e corruptores, derruba todos os cabeças da executiva de um partido que tinha por lema antes de pegar o poder: “não rouba, não deixa roubar e prende quem rouba”. Tudo mentira. Tudo cacarejos dogmáticos. Que coisa hein! Emocionante esse Bob Jeff. Bom, muito bom. Ainda bem que apareceu. Antes tarde do que muito mais tarde. E junto com a sujeira exposta começou a ridícula choradeira das ratazanas que tramavam, através de subornos e contratos espúrios nos bastidores do poder, implantar um projeto político para se perpetuar no poder. Que coisa. Logo, esses caras que tanto patrimônio moral diziam possuir, que arriscaram suas vidas e fizeram história combatendo a ditadura, que acreditavam no sonho de construir uma nação socialmente mais equilibrada, com menos pobreza, miséria, fome e violência e mais educação, saúde, emprego e renda; tudo retórica falaciosa aprendida nos manuais de Lênin e Stalin. Que decepção. Tudo miguelagem, tudo cascata, tudo mentira. No fundo no fundo só queriam mesmo era o poder pra distribuir entre os companheiros.
Quem me conhece sabe que eu, como a Regina Duarte, sempre desconfiei dos cabelos e barbas brancas do Lula. Mas no fundo, bem lá no fundo, eu tinha uma crença que o Lula ia botar esse País em melhores condições para muito além dos seus 53 milhões de eleitores, enfim, para todos os filhos dessa pátria mãe gentil, inclusive eu. Que nada. A decepção chegou mais cedo do que eu esperava. Começou a decepção quando o mensalão permitiu que passasse a emenda pra tirar dinheiro de aposentados. Ali eu comecei a perceber que alguma coisa estava podre no meio dos companheiros. Tirar dinheiro de aposentado? Não seria mais justo questionar a dívida externa com os banqueiros internacionais, ou partir pra cima pra acabar de vez com os corruptos e os corruptores que tanto mal fazem aos filhos dessa pátria mãe gentil.
Mas o Brasil é assim mesmo. Tenho certeza que quando passar essa Tsunami da imoralidade política, lamentavelmente tudo voltará a ser como antes no reino de Abrantes: de um lado, pobreza, miséria, fome, violência, e de outro, uma elite a usufruir dos lazeres do capitalismo comendo, bebendo e usufruindo do bem-bom. É uma pena que as coisas terminem assim, sempre jogadas pra baixo do tapete. Bem que podiam botar corruptos e corruptores na cadeia. Que nada. Com essa justiça que temos? Nas brechas da lei sempre tem lugar pra proteger bandidos de colarinhos brancos. Agora virou moda nas imagens televisivas filas de corruptos algemados e encapuzados entrando nos camburões da polícia. Tudo encenação. Tudo cascata. Tudo pra dizer que agora a corrupção está sendo combatida. No dia seguinte a “justiça podre” vai lá e manda soltar todo mundo. Há tempos que o Brasil é assim mesmo. Há tempos que todo mundo sabe que cadeia aqui é só pra ladrão de galinha. Quadrilheiros de elite ficam na cadeia só para fazer pose e aparecer na televisão pro delegado justificar seu salário. Depois a tal da “justiça podre” manda soltar todos, e como sempre, por falta de provas. Corruptos e corruptores são amparados pela lei e logo voltam aos seus doces lares (lembram daquele juiz safado que ficou conhecido como Lalau?) para pensar em novas falcatruas e constituir novas quadrilhas para dilapidar a coisa pública em prol dos seus benefícios pessoais. A frágil democracia resiste e como é a única que temos urge aperfeiçoá-la antes que um aventureiro apareça para, em nome da moralidade, salvar a pátria. Foi em nome dessa tal moralidade que começou o nazismo, o fascismo, o franquismo, levou ao suicídio de Vargas, à desastrada eleição de Jânio Quadros que desembocou nos 20 anos de ditadura militar com o golpe de 1964, e de sobra, a tabelinha do mauricinho Fernando Collor e o careca PC Farias.
Pelo andar da carruagem, é uma pena que os sonhos de um País mais justo, da minha linda e corajosa heroína Fernanda Karina, não sejam para o nosso tempo e talvez nem pro tempo dos nossos filhos e netos. Bem, acredito até que estes sonhos poderiam sim ser concretizados agora, desde que passássemos urgentemente o Brasil a limpo começando a fazer coisas que o Lula prometeu antes de ser eleito e até agora não cumpriu como: distribuir entre todos a riqueza econômica, fazer uma operação séria na banda podre da justiça, estabelecer uma lei eleitoral que parasse radicalmente com a esbórnia dos partidos de aluguel dentro do congresso nacional, entre outras coisas, implementando a fidelidade partidária, tratar a corrupção como crime hediondo, mandar prender corrupto e corruptores com prisão perpétua. E tem mais, muito mais que precisa ser feito nesse País. E tudo tem que ser pra ontem. Não temos mais tempo a perder, nem sequer um piscar de olhos. Já completamos 500 anos de coisas mal resolvidas. Nossa história social é uma história de injustiças, desigualdades e armações pérfidas entre as armações da burguesia nacional e internacional. Nossa história de nação brasileira virou entulho, e tem que ser guardadas num baú para servir de exemplo das coisas vergonhosas que durante meio século essa nação protagonizou. E vamos aproveitar e começar logo as mudanças radicais, enquanto nossa frágil democracia resiste. Estou sentindo falta dos gritos e berros dos nossos estudantes pelas ruas do nosso País. O que há com eles. Estão carregando as baterias? Ou estão alienados? Não isso não. Não acredito que nossos estudantes se transformaram em Muricinhos que só almejam um bom emprego e o carro do ano. Tenho certeza que eles estão matutando. Eles vão já aparecer. Cedo ou tarde eles vão aparecer. Ou não. Tudo é possível enquanto a nossa frágil democracia resiste.






Adelson Santos é maestro, compositor e professor de música da UFAM.

Outras leituras no blog: www.adelsonsantos.blogspot.com

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