terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A OLIMPÍADA DOS CHORÕES E DAS CHORONAS

A OLIMPÍADA DOS CHORÕES E DAS CHORONAS


de Adelson Santos *


Um chorou porque se estatelou com a bunda no chão. A outra chorou porque sumiram com sua vara. Mais uma chorou porque caiu da trave. Outros choraram porque perderam no voleibol. Marta, aquela que é considerada a melhor jogadora de futebol do mundo, ficou perguntando pra Deus no meio do campo o que é que havia de errado com ela que não conseguia fazer gol. Já no futebol masculino, que vergonha. A única coisa que esses pernas-de-pau sabem fazer na vida é jogar futebol. Mas nem pra isso servem mais. Mesmo com toda a comprovada experiência de Diego, Pato, Ronaldinho, Dunga e tantos outros, também, como no caso das meninas, time que não faz gol em olimpíada não traz ouro pra casa; só choro.
Que coisa mais intrigante. Não consigo explicar, se é que há alguma explicação pra tudo isso. Falta de sorte? Incompetência? Amareladas ambulantes? Sei lá. A única coisa que sei é que os fatos existem e persistem. As imagens dizem tudo; falam mais do que mil palavras. Entretanto, gostaria de entender, se não entender, pelo menos, traduzir pra mim mesmo o significado de tantas quedas, fracassos e choradeira dos nossos candidatos a heróis olímpicos.
E na busca de respostas aprofundo as perguntas: será que os nossos jovens atletas estão chorando porque não treinaram o bastante e deixaram escapar o ouro das mãos? Não pode ser. Na verdade não deixaram escapar nada. O ouro vai sempre, como na lei da seleção e evolução das espécies, para a mão dos mais aptos. Ou será que choram porque sentem o peso da opinião pública planetária avaliando e confirmando suas incompetências ambulantes? Ou será que o choro vem do reconhecimento de que o Brasil é um lamentável desastre em matéria de esportes olímpicos, mais um entre tantos outros? Ou será formação de consciência culpada por pertenceram a uma elite do esporte, tratada com todas as mordomias que só é proporcionada aos atletas de primeiro mundo, e na hora H, não fazem direito o que precisa ser feito para conquistar a medalha de ouro. E tem que ser a medalha de ouro. Medalha de prata ou de bronze fica para atleta herói que pede dinheiro emprestado de vizinho pra comprar passagem de avião para chegar em Pequim.
E o pior é que, depois do fracasso, lá vem os chorões pedindo desculpas ao povo brasileiro pelos seus desacertos e desencontros. Ei, peraí atleta. O povo brasileiro não ta nem aí pro teu sucesso ou teu fracasso. O povo brasileiro, o povão mesmo, aquele especialista em ralar pesado nos dissabores do cotidiano, em si já é um grande atleta e um grande herói por viver compulsoriamente se defrontando no dia-a-dia com os casos, acasos e descasos promovidos pela corja estabelecida no Congresso Nacional.
Tem horas que costumo dizer pra mim mesmo que a nação brasileira está doente. Doente porque se transformou numa montanha de lixo, um viveiro de ratos, ratazanas, urubus, baratas-cascudas e escorpiões. Uma montanha feita de impunidade, corrupção, violência e medo, fome, miséria, injustiça, escravidão, tudo isso determinado por uma classe política cínica e corrompida que legisla em causa própria, por um judiciário que não julga, porém, manda soltar bandidos de colarinho branco, e por um executivo que promove os companheiros aos mandos e desmandos de um estado patrimonialista e clientelista. É isso aí. Viramos uma nação de poucos malandros e milhões de otários. Uma nação especialista na arte de trocar o simulacro pelo autêntico, a verdade pelo verossímil, que teima em fazer da mentira o princípio da história e do mundo. Já conheço os passos dessa estrada e sei exatamente onde vamos chegar, ou seja, no não-lugar.
Pra mim, o choro dos nossos atletas reflete bem o que se passa nessa fantástica montanha de lixo chamada Brasil. Se nossas meninas perderam o ouro no futebol, a explicação é simples como um gole d`água, ou seja, as meninas americanas fizeram gol e levaram o ouro pra casa. Nada mais justo. Enquanto isto a perseverante Marta ficava conversando com Deus no meio do campo perguntando pra ele o que é que havia de errado com ela durante o jogo. Respondo: nada Marta! O que houve de errado é que faltou o gol. Somente isso. Sem gol não se ganha o jogo. E quanto ao futebol masculino, um fracasso. Nada a declarar. E quanto ao atleta que caiu de bunda no chão? Deprimente. Vive só pra fazer ginástica com o apoio do dinheiro público, e na hora H... que mancada!!! E nossa seleção de voleibol? Muita lambança e presunção de vitória antecipada. E o nosso clorofilado amazonense Sandro Viana que ficou reclamando do Bolt porque o Bolt não tem espírito olímpico. Ei Sandro! Para de ser despeitado cidadão. Não tem que ter espírito olímpico cara. Tem que ter é competência, correr, chegar em primeiro lugar e levar o ouro pra casa. Afinal de contas é o que todos vocês estão querendo numa olimpíada, ou seja, chegar em primeiro lugar para conquistar notoriedade, projeção social, status de herói, e por fim desfilar pelas ruas em carro de bombeiro de volta pra casa. Todos “super-homens” carentes, sedentos de fama, com pés de barro almejando a fugaz e incerta solidão do pódio.
Chega de mitos. Chega de delírios. Chega de falsas esperanças. Vamos tirar as máscaras das falsas alegrias, dos falsos poderes ambulantes, e encarar uma angustiante verdade: continuamos uma nação feita de heróis sem nenhum caráter vivendo os dissabores diários de uma nação falida. No frigir dos ovos, não passamos mesmo de uma república de bananas se arvorando a ser país de primeiro mundo. Ora, pois. O que temos além de delírios e simulacros para nos arvorarmos a ser país de primeiro mundo. Pelo que vejo aqui do meu cantinho, nada. Nossos atletas chorões e choronas representam bem a farsa e a comédia de uma nação falida. Vivemos como antigamente, digo, desde os patriarcas de Casa Grande e Senzala, continuamos os campeões das desigualdades sociais, dos baixos salários, da violência de todos os matizes, das discriminações, da falsa-moral – vide a moça de capa da Playboy com o terço - dos preconceitos, enfim, somos mesmo uma grande decepção. Como diz o desgastado, porém, sempre atual pregão do velho Boris: isto é uma vergonha!!!



* Adelson Santos é professor de música e compositor.

Outros textos para leituras no Blog: www.adelsonsantos.blogspot.com



Manaus, 27 de agosto de 2008

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